segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Cambiantes de luz na lisura da tarde


Diego Rivera 1944

Quando se ergue o silêncio na janela sobre o jardim
raras vezes acontece ver nela o lugar parado das flores.
Ergue-se o movimento de alguém que sei e sabe
o aroma das rosas, o lugar por abrir de camélias.
As geometrias e os recantos inamoviveis
permanecem de indícios e aqueles sinais.
Os sinais de amarelo, laranja e vermelho
de foguetes não de fim mas de novo ano.

Água pródiga na semana que passou
de revolta na paternidade de um céu cinzento
mas mesmo assim ergue-se a espaços o silêncio
na janela mais próxima sobre o jardim
e até os raios teimam por momentos
nos desenhos em movimento de oriente.

Suponho no beiral circunspecto a luz
na proximidade de ondas de inverno
e planeio as mesas de chapa molhadas
e no afago de um café o entendimento
de quais e quantas as ondas puras de sal
ou de mistura mais doce na foz, no mar.
Mais tarde, não muito, porque hoje é sábado.

Se não tivesse parado a chuva
se não se mexessem as nuvens
nada disto ocorreria, mas o jardim
lembra no silêncio, nítida e sensual
alguém que sei e sabe
das pétalas pequenas do jasmim
que se ergue junto à pedra natural.

Levanto um pouco a janela
na surpresa da imagem mesmo como
se quando Newton e a maçã
ao descobrir o postulado escondido
ao colocar no quadro irreal o desejo
de ser alguém que sei e sabe
em voltas de chapéu largo e um pequeno regador
na roda de vasos e rebentos, de bolbos e lamentos
de um tempo, demasiado húmido, demasiado quente
e não propício aos cultivos e aos novos nascimentos.

A imagem permanece na elegia de rumores de folhas
a homenagem nos sussurros sem leitura de anjos invisíveis;
um discurso de símbolos e muitas saídas
sem qualquer garantia, portas e paredes num labirinto
que se ergue na tarde, na janela aberta, no jardim.

Revisito o silêncio e os rascunhos guardados
de alguém que sei e sabe do lugar dos alicerces
de castelos de essências, sem gravidade suspensos
por sobre um crescente fértil de imagens e poemas.

Fecho a janela.
Vou até ao mar porque hoje é sábado
Ergue-se o sol.
Nos cambiantes de luz e água deve haver prata no areal.

1 comentário:

Joana Espain disse...

Destacando do 'crescente fértil de imagens e poemas' estes bonitos versos:

'Suponho no beiral circunspecto a luz
na proximidade de ondas de inverno
e planeio as mesas de chapa molhadas
e no afago de um café o entendimento'