Queria falar-te do sonho irreversível
daquele que as cinzas inumanas
transformaram no carbono elementar
escuro.Não há pois mais que fechar
portas e janelas que o não são
de chamas consumidas; pós negros
tintas de borbulhas escarlatinas
memórias de faíscas lancinantes.
São vãos os tectos de estuque em pedaços
relevos e alegorias resumidas a tabique
esmiuçado, inexistente nas aberturas
de golpes de água e gritos de machado
abrindo junto ao candeeiro na calçada
o nítido esquadro onde cresce noite
desce a lua se acende a madrugada.
A realidade torna-se dura de deserto
no bico dos abutres da cidade despertada.
Mas há os outros, os outros sonhos
os encobertos, que nascem sem balizas
como pedras sem dono alterando superfícies
paradas de charcos. Os visíveis
só presentes como alguém distante
que bate à nossa porta fora de horas
de armadura e alicerces mais fortes
que os maus dias de facas afiadas
que o sonho irreversível
da casa inccendiada.
2 comentários:
Caro José Ferreira: "O sonho irreversível da casa incendiada", foi ou conteve concerteza ab início um sonho real que se tornou irreal ou inatingível pelo pressuposto evento: o fatal desmoronamento duma casa incendiada. Creio que a mensagem pode ser esta! Mas para nós ( os mais sensíveis, os marginais, os poetas!) há sempre uma porta ou janela abertas mesmo que queimadas. Será sempre viável ( se o quisermos)reconstruir um sonho , se a nossa unica realidade e a nossa infalível verdade fôr atingi-lo. Se um sonho for mesmo irreversível, não se deve transformá-lo, nem reconvertê-lo. Ele tórna-se o único alicerce da nossa Vida, e só nos resta persegui-lo. Pois os outros sonhos, os tais encobertos, ou envoltos em secretismo, não serão apenas passageiros como o sol de inverno, que apenas nos aquece um pouco de dia, continuando nós a precisar do aquecimento nocturno?? Curvo-me em vénia perante um "sonho irreversível", que deverá ser refeito e erguido ainda mais forte após cada obstáculo, cada drama, mesmo que tudo fique por vezes em cinzas. É este o combate e a dinâmica de vida que eu defendo. Obrigado por me trazer de novo esta portentosa energia vital. Parabéns. António
António obrigado pelas suas palavras. Efectivamente construí este poema na imagem que foi real de uma casa incendiada de verdade(também lhe dei o duplo sentido que podia ser perfeitamente
figurado e a casa ser a própria vida e todos os seus caminhos adversos e destruidores). Esta casa apesar de não ser minha na fata lidade tocou-me profundamente. A mensagem é mesmo essa por vezes confrontados com o destino preverso que não se adivinha temos que abandonar o tal sonho que se pode tornar irreversível, mas acima de tudo temos sempre que resistir com a força das raízes de árvores milenares e aguardar os outros sonhos que nos fazem acreditar num caminho a seguir e os Os " encobertos" que ainda não chegaram escondidos numa esquina que não conseguimos vislumbrar.
Abraço e Obrigado.
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