quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
As flores do mal
O nosso annus mirabilis tinha exactamente trinta minutos de vida.
Com a mão magoada pelos cristais que a delicadeza e o frio fortaleciam,
pediste-me que te ensinasse o desassombro do poema de Larkin ao espelho,
enquanto o teu corpo acrescentava cães com raiva ao meu reflexo
coagido, dedos de luvas cirúrgicas por todo o sítio
onde não houvesse paz na semelhança
e as crianças brincassem de vez aos parricídios,
ao invés de irem dormir
com um ursinho de sangue entre as pernas.
“They fuck you up, your mum and dad.
They may not mean to, but they do.”
Não é porque a intenção não se detecta,
que a acção mexe menos ou enlouquece ou desiste,
caída numa herança sem fundo,
doadas já as suas extremidades e as suas réplicas,
os seus pólenes, potências, e as suas expectativas,
à descontinuidade da espécie
àquilo que por aí vem
de nunca vir.
Quisemos fazer uma cópia fiel da miséria,
para a qual servíssemos de modelo inquisitivo.
Mas nem isso nos impediu
de termos filhos indetectáveis de nascença
como flores obliteradas pelo descrédito,
postas à prova em livros e cemitérios
de oportunidades vazias.
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