quarta-feira, 24 de junho de 2009

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade (Póvoa de Atalaia, 1923 - Porto, 2005)
in Os Amantes Sem Dinheiro (Lisboa, 1950)

4 comentários:

Elza disse...

Um grande poeta que é muito do Porto! Adeus é um dos poemas de EA de que mais gosto. Aqui fica. (À falta de poemas meus que não tenho conseguido escrever). Mais uma vez obrigada aos que continuam a dar vida ao blog, José (ainda não li o seu livro por causa da correria que é esta vida), David (lembro-me de ti da primeira aula de poesia, que bom estares de volta), e todos. Que tal mais um 'encontro à margem' enquanto não nos voltamos a juntar com a Ana Luisa? Fica aqui a sugestão no ar. E em vez de Adeus, espero que seja, para mim, um Olá outra vez, que andei mais longe da poesia, mas nunca esquecida :) Saudações poéticas! Elza

josé ferreira disse...

Olá Elza
também gosto muito deste poema, um perfeito transmitir de emoções. Quanto ao livro não há qualquer problema. Quanto ao "encontro à margem" parece-me uma boa ideia, talvez em Julho. Vamos amadurecer a ideia e ver a receptividade dos nossos amigos.
Até breve!

Joana Espain disse...

Olá amigos. Viva o Eugénio e partamos para esse encontro.Grande abraço.

A desalinhada disse...

Adoro este poema, Elza! Fazia falta, neste bonito blogue, todo de Poesia feito!
Abraço.