escrevo-te no primeiro dia de abril
no simbolismo de inscrever verdades e negar mentiras.
não sei dos teus olhos nem qual o mar em que navegam
quais as ondas, quais os ventos, quais os últimos caminhos
sei que andam soltos e sei que brilham –
vou-te contar: num pinheiro perto de moinhos e de sargaços
havia um pássaro pousado, recortado na cor da sombra contra o mundo
e fazia soar uma melodia, numa transparência tão cristalina que comovia.
sabes, não chovia e algumas linhas de sol abriam. fiquei parado
surpreendido, naquela dicotomia:
um silêncio na rua e o fluir seguro de uma melodia.
o que diria a ave na árvore e naquele dia?
seria uma carta sem palavras na metamorfose da música?
a quem escrevia?
escrevo-te e digo-te, as cores de acordes eram luminosidades perto do mar
sequenciais: sol de sétima, si bemol, dó maior.
magnífica melodia. fiquei parado
sabes, fiquei petrificado, preso pelos ouvidos –
vou-te contar: à volta daquela redoma de sons nada ousava tocar
e ficámos parados, eu, o silêncio e a árvore.
depois de cinco minutos naquela quietude completa
por detrás de uma janela
numa casa abraçada de ambos os lados, por irmãs gémeas
por detrás de uma janela, uma cortina oscilava de nascente a poente
na perpendicularidade do mar da Apúlia, onde ondas chegavam e partiam
sem ganharem qualquer protagonismo, envolvidas e mudas
nos cristais da melodia –
a luz de fora das janelas escondia as mãos, os dedos, a fisionomia
mas não escondia a leveza de gestos, a sensibilidade feminina.
sabes, fiquei parado, qual mármore em estátua, e a melodia subia, subia -
a ave depois da cortina oscilar, cantava mais expressiva, esdrúxula e afirmativa
como uma ópera de Puccini, como um uníssono sem vozes no deslizar de cerdas
sobre cordas de violinos –
escrevo-te e digo-te, foi uma surpresa de rouxinol, uma história infantil
reassumida na memória dos primeiros livros, Andersen, o nórdico
e outras histórias em que se acredita em fantasias
em que não queremos crescer para os mundos modernos, tão frios
sem qualquer poesia -
lembro-me e digo-te o que me ocorreu naquele dia
naquela hora parada de uma tarde de sábado
em que o mar estava demasiado longe para que juntasse a força das ondas
provavelmente povoado de búzios em dunas de areias sozinhas
e em que se ouvia no lado esquerdo do pinheiro
o pulsar da melodia, cristalino, interminável
enquanto a cortina, segura nos dedos femininos, escutava e escutava
na mesma linha, sem desistência, sem movimento e em silêncio -
sabes, talvez fosse um príncipe
talvez fosse um príncipe que cantava e uma princesa que ouvia
e vão ser felizes, vão ser felizes
na rua das gaivotas e na metamorfose dos pássaros -
josé ferreira 1 de abril de 2013
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