abro-me como as
corolas
com o perfume imediato das manhãs
sempre na direcção da luz.
surge primeiro o sol com um pensamento nas mãos
nas palmas abertas, nos dedos despertos
nos olhos lampião na cor do ébano.
as estrelas cintilantes dão lugar ao esquecimento da noite
recuperam a memória do sonho, a sua lucidez
e anoto a existência de cristais transparentes em julho
orvalhos decrescentes até à absorção das gotas
até á limpidez das folhas, até ao imenso poder do silêncio
que se instala neste
acordar na natureza, no profundo campo
e separa o espaço, desde a superfície da terra, pelos troncos
enrugados
até ao verde das
árvores –
essa é também a
condição humana
nascer, crescer, permanecer, e mudar de roupa conforme as
rotações
as estações, escutar a voz dos pássaros e a paz sem som
renascer, traçar linhas e rumos em direcção ao azul
a direito ou obliquamente, a noventa graus, caminhando nos
dois sentidos
a norte e a sul, a este e a oeste, na clareza do ar e no
manto das raízes –
somos tão complexos como a primeira célula, como a nebulosa
como a atmosfera que esconde moléculas, somos e não somos
como a inversão da direcção dos ventos, como um desenho
semipintado
um ser e ainda não ser, em movimento, na dinâmica dos
tecidos, orgânicos
de alimentos e sinergias, faíscas
um ser em construção, de incompletudes, em formação, de amálgama
no almofariz da química humana, nós e os outros –
mas somos nós, somos únicos
tu, com os teus olhos
âncora, com o cimo das estrelas e os dedos
as polpas de seda, a deslizarem como barcos na imensidão das costas
rodeando os
obstáculos, das vértebras até ao cerebelo
como se fossem rochas salientes entre as margens de um rio –
eu, como uma criança,
pedindo-te que sejas a mulher, a
essência
que ponhas a mão na minha cabeça
e entregando-te a
concha do corpo, o lume descomposto do rosto
num sorriso luminoso, explosivo, deixando fluir a cor dos
afectos
em cada gesto
enquanto te seguro o rosto, enquanto me apoio no teu ombro
e enquanto nos tornamos lisos, esmagando toda a densidade do
ar
todas as montanhas, sem precipícios, unidos, como um nirvana -
josé ferreira 7 julho 2012
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