tenho os olhos ardentes de uma noite curta
não recordo os sonhos e sigo o caminho do mar , das ondas
dos seus frios fundamentais na manhã que desperta.
há um linho na espuma e uma renda que cobre a areia.
vai e volta.
na manhã luminosa há olhos que não existem
e gaivotas que piam com bicos amarelos.
haverá um cais
no interstício da rocha, na capa escorregadia de uma lapa
na tessitura verde da pedra, luzidia e lisa esculpida pelas gotas
soltas, pelas mãos do mar –
observo o meu
infinito. o infinito de uma transição. o infinito de nós.
o infinito tem a permanência em cada veia levantada que
atravessa o sal,
que atravessa a pedra da calçada, que atravessa o estrado de
madeira de uma esplanada
- aquela que grita ao som dos passos e que chia sistematicamente
num parafuso gasto –
lembro-me dos gatos.
os meus gatos, sim, os meus gatos, aqueles que me encostam
os pêlos brancos, amarelos,
pretos e cinzentos, sem saberem que há contrariedades,
nebulosas para lá da lua que rodou para outro lado, para lá
da manhã silenciosa –
os meus gatos aguardam e aguardam sempre que chegue a casa
para que lhes empreste as palmas, para que lhes mostre as
pontas das pernas
para que lhes abra o colo
para que elevem o dorso, estiquem a cabeça ou enrolem o
corpo
fazendo-se muito pequenos, um novelo que arfa, ritmado –
na praia, o azul é tímido no
último dia de junho, tem a cor de uma aguarela
improvável para quem
carrega sonhos e castelos na areia,
para quem brilha nos espelhos e se constrói de si mesmo
e de muita gente, a do passado, a do agora, a do futuro, e a
da cor das vagas
que chegam e partem, entrando de novo naquele mundo
um mar mais calmo, como hoje –
quando muitos chegam à praia, há camisolas e caras tortas
um desespero de ausência de raios nos guarda-sóis
uma orfandade de um momento prescrito, sem remédio
para uma doença de rotinas. falha a luz e a temperatura adequada
para cremes e soluções protectoras, bíceps firmes, cintas curtas
umbigos planos, lábios iluminados, e sentam-se a meu lado
de revistas e jornais, na escuridão das lentes, com a meia-de-leite,
o pão torrado –
devo ser uma ave. uma ave com mãos e palavras. queria ser
uma ave.
queria fechar –me um instante. fechar-me num som tibetano, muito
calmo.
queria ter penas e asas, ser leve, leve, muito leve
e voar –
na mesa, a caneta soltaria a tinta numa mancha preta
a estender-se como uma maré que cresce, assim de repente
envolvendo o infinito, a transição e as letras.
quando chegasse ao cais de uma rocha, ali à frente,
na forma de um pescoço branco que oscila
observaria a sombra, a sombra de um homem
a sombra do homem num espaço vazio
recortado, de uma tela de cinema, de uma realidade
construída,
e observaria o espanto dos turistas, a sua boca aberta, a sua
convivência com o ridículo
e o anotável de uma improbabilidade sem sentido. quem
explica?
e amanhã seria notícia -
josé ferreira 30 de Junho de 2012
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