quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

suzana, temos mil razões para calar as fotografias



temos mil razões para calar as fotografias
na gaveta de madeira, a quarta a contar de cima
da secretária antiga onde preencho folhas, uma a uma
folhas de um livro, poemas compridos -

as últimas notícias são repetitivas
falam do naufrágio, um grande barco de muitas janelas
como um queijo suiço, e o comandante, e os heróis
e a falta de vida de algumas vidas -

o contemporâneo prende-se no subterfúgio
economias líquidas, as reformas e o umbigo
do presidente, dos directores e dos amigos
a importância ilógica de ser o mais importante
o nosso cantinho, o territóriozinho, a nossa vidinha
quando está em causa o oxigénio limitado de um planeta
quando há o perigo de um excesso de fumo
como um furo no cabedal do mundo
a esvaziar o conteúdo
a tornar-se mudo perante uma coleira
que aperta muito -

é preciso uma estrela mais abrangente, não tão pequena
não tão miúda, mais refulgente, que oriente
que dê um rumo
é preciso denunciar a inclinação recorrente dos colarinhos
brancos na superfície e de negros fios por dentro
muito escondidos -

seremos atentos perante as garras do milhafre
os voos picados da águia e a impaciência do abutre -

porque este é o quotidiano da politiquice que emaranha os dias -

quanto a nós temos mil razões para calar as fotografias
na quarta gaveta a contar de cima
menos uma
a que mais observo e ganha vida
como um quadro na fractura caiada
como uma parede branca impregnada de filme -

josé ferreira 26 Janeiro 2012

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