sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
Simon e o canário amarelo
Paul Klee "paisagem e pássaros amarelos" 1923
o disco sol girava no amarelo forte, um princípio tardio
depois da enublada manhã cinza.
corria um ar grave sobre os cravos brancos
sem a cor rubra de setenta e quatro.
as mãos alimentavam uma música de blues
na suspensão de teclas que estendiam as tonalidades
à companhia de uma voz rouca, de cordas gastas
no excesso de horas sem intervalo, horas repetidas.
os dedos de pontas quadradas reflectiam atrasos no tempo ternário
e suportavam o resumo de textos que se misturavam em indecisas palavras.
o peso insubmisso da inconsciência traçou o fim do caminho
a queda forte sobre a melodia, a cabeça, sobre as mãos lentas
num acorde de sustenidos, fá menor, Simon, sound of silence.
um ruído imenso. a queda de um granito denso, a cabeça.
desde a madrugada, antes mesmo do nascimento de uma luz baça
conseguira povoar de passos os círculos da sala
transformando as ideias num fumo vago, até ao cansaço
até ao sentar-se , exausto, no banco novo do piano
de mecânica sensível, precisa, na regulação das alturas.
recordou obsessivo todas as canções que sabia. doze horas.
doze horas seguidas, doze horas seguidas;
o inverso da sublimação, o estado sólido, o peso metálico de chumbo.
mais não. calava o cansaço nos olhos raiados de vermelho.
calava e calava-se sobre as teclas do piano
enquanto o canário compreensivo, no alto da gaiola, desafiava o gato negro
e assente sobre as patas, de ar convicto, incandescia o ar de uma outra melodia-
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