quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Uma mão perdura




Uma mão perdura na porta, entreabertas as águas e violado o script. Era suposto eu descer com cuidado as escadas, depois de me ter despedido de ti, apagar a luz ao fundo, bater devagar a porta à saída, e ir percorrer o caminho de volta de vez, esperando que houvesse pelo menos mais um dia parecido em tudo com aquele, mas melhor ainda, mais longo, oblíquo, coagulado e eléctrico.
Mas uma mão, esta noite, perdura demasiado na porta do teu quarto quando já te julgavas sozinha, apoiada num estranho projecto neurótico de um amante suicida, na louca acepção da maior das suas palavras e frinchas, alguém espreita agarrado à porta com a mão que perdura e entope as moléculas da madeira com mudas mas máximas intenções e extracto de ilegalidade e conquista.
Uma mão perdura. À excepção do cenário, que te recoloca num quadro da burguesia mais fantasista, onde o rococó é aparado pela elegância subterrânea dos requintes, preponderâncias agudas que irrompem entre sintomas de doenças ornamentais de cunho infiel, pequenas infecções arquitectónicas que se repetem e prolongam como símbolos da pequena monarquia do vício, verdadeiramente anti-constitucional e solene, o meu olhar concentra-se na fome do teu hábito e nas águas do teu hino, nas ondas do teu vestido principalmente, prevendo a sua inesperada utilidade severa, a ressurreição das distâncias impingidas até aqui.
Eis senão quando uma mão morre na porta, ou então atravessa-a sem dar por isso.
A porta desfere contra a parede o resto da sua idolatria.
Eu avanço para ti.

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