segunda-feira, 25 de outubro de 2010
a cesura do pássaro e um voo inacabado
Gerhard Richter
um pássaro distraído cravou o afiado bico
como punhal sonoro no insuflável, balão que voava
muito acima de Lisboa - minúscula a torre eiffel
o london eye, a catedral de Bruxelas, o Prado d’El Greco
o porto de Calais –
imenso o ar –
a descida não é uma pedra no charco,
uma exibição rude de falcoaria
a idade média de flechas e ameias, súbitas e mortais.
a descida prossegue sem loopings nem curvas arriscadas
desviada pelo vento das cidades.
cai o que resta do antigo balão luzidio
não mais do que um pouco apressado
no cimo de um monte calvo.
um silvo final, o balão desfaz-se, ganha a forma
de um grande oleado, a grande mancha encarnada
um despropósito na paisagem de um fim de mundo.
não são os raios de sol em linhas oblíquas
nem as estrelas encerradas de branco
que condicionam a alma e instauram a nomenclatura do medo
no único náufrago de um manto de céu
e neva, neva dentro da fatia gasta do ventrículo direito
aquele que nunca fala do simétrico, no espelho -
no cimo da montanha
perdura a dor que a memória não perdoa
e a hipotenusa de futuro que completa o triângulo;
rasga a direcção, o sentido, como um vulcão ao inverso
que estica o relevo e aplana a superfície -
na imensa planície há sempre um caminho -
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