sábado, 7 de agosto de 2010

disseram


Magritte 1940


disseram que dissesse tudo sem esquecer nada
de tudo o que sempre quisera dizer
qualquer que a forma, o estado;
melancolia nos olhos tristes de erudito
alegria de cabelos andantes, desprendidos
rolando imagens de nevoeiros, farinhas
de mós e velas nos moinhos.

disseram que dissesse tudo sem pudor nem nevralgia;
é proibido impedir o despertar ascendente dos astros
os que decidem arder sem serem sujeitos ao homicídio
como a pequenez tão opaca dos planetas
a pequenez dos planetas que não podem ser estrelas.

disseram que dissesse tudo sem esquecer nada
o abandono físico, o desamparo, o grito
o abraço, o colo, o riso.

disseram disseram disseram
que um dia o mundo acaba
e deveria saber do silêncio
aquele que não resolve nada.

disseram que dissesse tudo
na primazia de soltar palavras
como um gás atómico
um cogumelo umbilical
a descompor o terreno óbvio
de pegadas de dinossauros
imóveis e inscritas a simbolizar épocas
ou a condição humana, a evolução
o desaparecer dos braços compridos
e das corcundas dos macacos.

disseram que tudo dissesse sem esquecer nada.
disseram que aquando de algum silêncio
que fosse breve sem ser o hábito perfeito e cómodo
de mãos pousadas e olhos a direito;
quadros imutaveis.

disseram que escutasse os metabolismos da alma
o sentir dos afectos, o lugar G das emoções
e depois que dissesse
tudo, sem esquecer nada.

disseram disseram disseram

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