quinta-feira, 22 de julho de 2010

Expiação




dói-me o teu aparelho longínquo,
dói-me o irresistível artesanato
da distância,
dói-me o irrespirável teatro
ortopédico da salvação,
dói-me o choque frontal do amor
com a sua tremenda falta de humildade,
dói-me a anestesia do teu lugar vago,
dói-me a dança esquelética da minha dissimulação,
dói-me a propaganda póstuma das tuas mãos,

quando aplaudem a castração do herói em palco,
quando atrasam a pesquisa para a cura da neoplasia
da eternidade,
quando investem todas as suas economias e auroras
numa dimensão mais intolerante,
quando massajam a minha culpa ciclópica
e maltratam o meu endereço final.

dói-me, sobretudo, a grande subjectividade da dor,
a arquitectura desmaiada da esperança,
a longa travessia do rio líquor a nado,
a falsa assinatura dos seus contratos nervosos
com o imperdoável,
e o preço que eu pago
pela minha dor elegante
nas lojas mais prestigiadas da cidade
arrasada do amor.

2 comentários:

josé ferreira disse...

André muitas metáforas imprevistas e uma dor que escorre quase como num palco onde " maltratam " o "herói" que resiste " quando investem todas as suas economias e auroras numa dimensão mais intolerante". " a grande subjectividade da dor, a arquitectura desmaiada da esperança".
gostei muito e a imagem completa, só falta aqui a leitura de voz forte que fazes nos teus poema e que os completam ainda mais.
Parabéns!

Elza disse...

Pois é, falta o vozeirão a ler o poema! Gostei especialmente da imagem da 'grande subjectividade da dor' e da 'dor elegante...'