quarta-feira, 30 de junho de 2010

adolescente retardado


Paul Klee " a cidade do sonho " 1921

fala-me de serras e de pastores, de campos largos
de outras humanidades que não as vulgares
assim como uma espécie de libertação
de ser obrigatório ler os jornais
de mergulhar nas complexidades existenciais
de telefonar sem fios, de correr e correr
correr muitos riscos para encontrar paredes planas
paredes moucas como objectos contemplativos.

fala-me de serras e de pastores não no sentido de sacrifício
como amplitude de saber: que uns são felizes e balem
se forem ricos e diversos os pastos durante o dia
quentes as palhas na recolha de luas e lãs crescidas.
que um abana a cauda por ser a sua causa cuidar do rebanho
para que não se perca e fuja ao perigo
da sábia raposa, do falso lobo.
e por fim o outro, aéreo e louco a escutar as aves
de capote em roda a ler a sombra das árvores
a erguer-se no cajado. abrir os braços.

e não me ouves queres que seja depressa
como um jovem atleta a devorar o guiness
a empurrar o mundo na ponta da seta
não lhe dar o descanso de um buraco negro;
ser um cumpridor progamado de tarefas
a voz de um computador numa odisseia no espaço
o poderoso decisor de apertar o botão vermelho
o ultrarápido corredor de tudo ou nada
de sangue e lágrima.

talvez seja verdade e as mulheres tantas vezes
são tão práticas. mas sou poeta sabes.
ilude-me como se gostasses das minhas palavras
das notas desafinadas de uma cana lascada
a servir de flauta, a soltar a dança
a roubar a cor ruiva dos lábios
depois de lançar o chapéu de palha
a cem metros de distância.

e não me ouves. dizes que não é poesia
que sou insano.
com esta alegoria – dizes - de adolescente retardado
com este sonho dentro da cidade
deixas o carro ao sol – dizes - um calor que não se pode.
e com o traffic na artéria principal ainda falta o combustível.
mas que grande chatice – dizes – como é habitual.

sorrimos.
fala-me de serras e pastores, de campos largos
e um refúgio com um pouco de colmo
num abrigo fresco de granito - digo
sorrimos -

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