sábado, 22 de maio de 2010

a casa semi-pintada


Magritte

sopros na altura de três pisos fustigam folhas.
sombras oscilam impressas no asfalto
de uma rua tracejada, traços brancos.

um homem de olhos vagos de zeros igual a nada
atravessa indiferente de ver ninguém.
não pertence na rua na cidade
faz parte de um quadro que desenha
na parede mais larga de uma pequena casa.

a casa pequena é um acaso de horizonte;
cem hectares de campos e searas
cinquenta árvores e a forma grávida de terra
por onde nascem os bagos e as parras
junto a muros de penedos partidos.

assim o grito quando pousa os pés subidos
nas botas duras rosadas de muitos sinais;
modelo de sapateiro no meio da aldeia;
cordões de três voltas e saltos de borracha.

não pertence não pertence
a construções de régua e esquadro;
passeios de muitos quadrados e paragens de autocarro.

não usa caminhos de zebra listada nas aberturas de compasso
foge do ruído de uma multidão brava ao lado dos semáforos.
e passa ausente passo a passo mais abaixo longe de gente
longe de gente
nos cabelos de erva em frente do alpendre onde onde
o espírito diponível acende as chamas quentes do silêncio
e forma brasas e acende e reacende e deixa cinza cinzas
na poeira nas poeiras uma poeira fina ínfima que se levanta
e ultrapassa clareiras dividida em parcelas de ar ar muito ar
e pousa trémula nas pernas do melro que recicla migalhas
migalhas de um pão de centeio.

será que sabem?
como é bom andar sózinho nos campos essa morte das cidades

será que sabem?
o sabor parado de chapéus de palha o defunto rumor dos sinos
ao longe e os badalos breves e múltiplos de rebanho
um prado de lã nos ritmos de heras e o som esvaindo.

na casa semi-pintada na parede mais larga
ruiram roeram os alicerces da cidade
e em todo lado flautas de pampas encantadas
uma torre invisível sem confusões de babel
na proximidade dos astros.

na cidade o vento espalha a sombra das folhas
e um metrónomo cresce tenso de intensidade
em milhares de olhares vigilantes, as idades
os calçados, as roupas decotadas, o caminhar pinguim
de ombros apertados e patas patas digitalizadas.
contas números num crivo redondo
depois de uma espátula, espátula de esquinas;
as mesmas que diferenciam e exprimem
como âncoras firmes.

os olhos vagos
a impressão de um homem que não pertence
de planos virados ao céu ao fundo da terra inclinados
e uma rosácea circular de medir o tempo
sem acordar o pêndulo que aprofunda a hipnose
que adormece nos poços de profundidade
com as cegonhas a derramarem águas
lágrimas de águas frescas águas selvagens
e acorda que acorda de pés de terra no meio da cidade
no calor preto e duro dos asfaltos

e esboroa e esfuma e desaparece
nos olhos vagos de zeros igual a nada -

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