Estava sentado numa taberna perto dos Clérigos, quando me chamou a atenção a conversa que dois homens tinham à porta enquanto fumavam: ÓH Paliça! – A Paliça que vi pelo vidro cheio de publicidade à Sumol, fez-lhes um sinal obsceno e continuou.
Um deles disse: Esta, se lhe pagarmos uma bola de Berlim ela chupa-nos durante uma hora. A desdentada anda cheia de fome. Parece uma cadela: – Os outros riram-se. A paliça continuou com o cabelo curto e branco, cheia de eczemas na cara.
Mais tarde ao entrar em casa, vi descer pela rua a Paliça, meti conversa com ela; vinha com uma saca com um frasco de metadona e alguns pêssegoa, explicou-me que o seu filho lhe pediu para deixar em casa o frasco, e comia um pão ressesso, que os poucos e frágeis dentes da Paliça iam trincando como um ratinho, mastigando muito tempo para os amolecer com saliva.
A Paliça pediu-me um euro – Eu dei um euro à Paliça e ela deu-me um beijo com a cara cheia de batom de uma loja dos trezentos. Convidou-me a ir a casa dela. Tinha muito gosto que conhecesse asua casa. Falou-me do filho de uma forma vaga. Que estava na prisão a cumprir sete anos, e amanhã ia a Custóisas e lhe ia levar Pêssegos e cerejas e uma caixa de bombons, pediu-me mais um euro, enquanto subíamos. Percebi que a metadona não era para o filho. A Paliça tinha-se habituado a comprar no cimo da rua a um vizinho. Porque o filho estava a ser perseguido por dívidas e não podia ir ao CAT e um dos vizinhos, antigo frequentador do CAT que voltava a recair na heroína, ia todos os dias ao centro para a comprar, e fazia o tráfico dos frascos. A Paliça ia comprar para o filho quando ele estava ainda em casa. Depois ele foi apanhado a vender e foi para Custóias; e a Paliça ia comprar metadona para si. Traficava o seu corpo, e isto não era violento nem atroz, era simplesmente natural; E pensei que nenhum aforismo de Cioran se podia adaptar à vida da Paliça e que nenhum outro aforismo produzido pela humanidade se podia jamais adaptar a uma situação vivida pelo homem. Comemos pêssegos na cozinha. A Paliça parecia-me muito com uma figura que tinha visto no museu da cera em Fátima, quando era criança: uma figura anónima, que num conjunto de outras estátuas tapavam com os seus braços de cera, a luz que irradiava do sol e da aparição mariana. Cera incrédula que se convertia ao milagre. A Paliça disse para eu descontrair no sofá. Imaginei que não queria que a Paliça me chupasse, isso seria sexo oral feito entre duas estátuas de cera, isso assustou-me: Escultura que soube anos mais tarde, tinha sido feita por um artista plástico dinamarquês. Falei-lhe que era escritor e a Paliça, tal como Julian Artl e DJ Kant aconselhou-me a não escrever. Fui comprar fruta e bombons para a Paliça levar ao filho e fui para São Bento apanhar um comboio aleatório. A viagem que comprei acabava perto. Regressei várias vezes ao Porto e visitava com frequência a casa da Paliça, víamos no sofá os programas da manhã, os concursos da tarde, as telenovelas da noite, e outra vez os concursos que ficavam entre as telenovelas e os concursos. A Paliça tinha o comando.
Nuno Brito
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