domingo, 18 de abril de 2010

Ferrugem


Gerhard Richter


longe de mim rasgam-se os séculos,
as madrugadas desertas
na permanente alucinação dos objectos.

e há um fluxo de gestos
nos corredores ilusórios
de todas as metamorfoses.

a língua das fundas fotografias do mundo.

como se tudo se tratasse de sílabas de ferrugem
porque a música inesgotável de todos os clamores
desprende-se da tinta nocturna dos livros.

há uma luz selvagem que me percorre o nome
e que enlouquece lentamente
no interior húmido da memória.

o espaço da voz
expande-se até à idade irrespirável dos objectos.

sento-me a observar a praia
e a forma como a água tem medo de se aproximar demasiado
e pousar nas perguntas.

as pálpebras escorrem-me até aos nervos.

há um frio insuportável na passagem escorregadia das horas
no gesso de cada nome,
e um sítio febril onde a inteligência consegue deteriorar
todos os vestígios indecifráveis da vida.
cada nome, no interior imóvel do seu ventre,
no sangue fervido das noites,
transporta uma luz pesada,
impronunciável.

Sara F. Costa ( Publicada na Revista de Poesia "Cráse" Dir. Nuno Brito )

1 comentário:

Joana Espain disse...

A energia laminar que atravessa este texto! Muito bom.