segunda-feira, 12 de abril de 2010

um braço de distância


retirado da internet

a avenida, a casa, o jardim, a glicínia .
cachos de bagos violetas, aromas de essências.
no entanto em abril foi em tempos um braço de distância:

do outro lado passava gente e não havia borboletas;
uma janela branca, um largo de cimento
a amoreira grande, o plátano gigante e um banco de madeira;
local ideal do Pirata, Benny e Franjinhas, três amigos
de quatro patas e uma cauda.

do outro lado não havia campaínhas
mas sabia sempre pelos latidos
dos gatos seguros, delicados e lentos
deslizando atentos, orelhas transistores
nas ondas dos voos mais pequenos de insectos;
moscas, mosquitos e gafanhotos.

cortinas separavam olhos na curva das formas
sombras se próximas e milionésimas
nas quadrículas das rendas; duas garças
de simetria e ponto fino, idade antiga.

quando o sol procurava as águas de sal
que se segue no caminho trémulo e aberto dos salgueiros
sabia da despedida das aves nas paredes do quarto
escutava o choro da mangueira e a chegada dos gatos
escutava a sede das raízes e o riso tímido das plantas.

o rosto, as mãos brancas, dois pés molhados.
o bater intuitivo dos dedos no rouge do lado esquerdo
de um vulto no outro lado da cortina
a melodia de um quadro numa malha sem acaso
cortada, mais larga junto ao bico da garça e
o esvoaçar da água no caule pontiagudo das rosas
na superfície fértil de bolbos de muitas tulipas
na impossível matemática do entrançado de estrelícias
poucas e altivas de únicas geometrias
como as tias de bengala no seu olhar entremeado
entre o sono de fim de tarde e a teia possível
e nítida como aquela em tons de brisa
nos ramos do eucalipto e nas hortênsias alcalinas.

os dias mais quentes de abril e maio. Muitos
tantos de tecidos da Índia e cabelos de seara
luzidios e unidos, uma vírgula invertida e a adivinha
de quantas vértebras no elevar de um dorso em círculo
nos intervalos de um ritmo de mão repetitiva
e um ronronar que apesar de distante se tornava audível.

cedo se sabe a sedução feminina: atravessa muros.
e assim era o desejo dirigido,o despontar de um fruto
sob a alça na inclinação efervescente e demorada.
naturalmente sabia do outro lado da garça
a renda cortada e o nariz como um binóculo junto ao bico.

Nostradamus e Bandarra talvez em alguma página
teriam previsto que a tia Ermelinda, a mais velha das tias
pudesse encontrar a tiara prometida, dia 11 de um domingo.
ficou três anos sózinha a glicínia e a casa da avenida.
mora agora uma família e um relvado contínuo.
sobrevive a revolta das essências e a cortina
dobrada na arca de um navio
que guardo desde o dia da partida:
14 de Fevereiro de 1995, quinze e trinta.

sempre que abro a janela do meu quarto, lembro-me.
será casada, terá filhos, o cabelo ainda será comprido?
do outro lado raramente ouço o ritual das águas.
os cães não ladram. à noite passam menos carros.
é quando, num imenso silêncio por vezes me sento
e dedico-lhe um poema de palavras muito simples
como os aromas que sinto-

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