sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Se fosse um intervalo (III)


Palácio de Cristal (retirado na internet do blog a "as margens do rio")


vai quente o outubro
ainda há dias mudou a hora
mais curta a tarde e desce a noite.
na oblíqua rua de viterbo
de um lado o muro do palácio
do outro "catterpillar" de lagartas
as feridas abertas de um ex-castelo.
o túnel de entrada dos carros
não é belo como os longos intervalos
que furam os alpes altos de itália.
pequenos reduzidos no tamanho os carros
corrida de esquilos numa árvore deitada;
ali nos dedos do céu os olhos entram
no ventre aceso de faróis errantes demoram
perdem a legitimidade da luz até ao foco
o grande monóculo de mil metros de claridade.

mas divago enquanto coloco o carro
nos dois traços brancos de um chão cinzento.
seis e vinte de uma tarde no palácio.
na saída tendas de plástico mole
recebem nas relvas sintéticas e bonecos
de um "subutteo" gigante em exposição;
a antiga loucura depois de fátima amália
um remédio sem papoilas o ópio do futebol.
um circo sem sentido quando ali
um hectare irónico de árvores científicas
nas etiquetas "are-are-are-milenare".
há um riso de aves raras na penumbra
um eco distante de patins no cogumelo
de marte que acentua a saudade da nave
a comprida nave antiga de muitos vidros
a grande estufa onde ensombravam as sombrinhas
as vassouras de rendas dos vestidos os botões
de calças apertadas nos sapatos reflexivos
as bengalas de girafas as cartolas de coelhos
de uma alice que não entra nesta história.

mas divago. era tarde. quarta-feira.
neste dia passei a grande ala verde
com vontade de subir às árvores
lá em cima vestir um fecho éclair de penas
e ser um mocho para toda a noite
preso aos ramos na música do vento;
umas teclas de maria joão pires
schubert chopin; adiou o concerto
doente vai ficar bem talvez fevereiro.
ridículo! sou um mocho apenas escuto
quieto e redondo lá no meio do ramo
que é fino e depois alarga encosta ao tronco.

mas divago e não sou mocho que vida parada.
corro apressado de calças pretas
casaco de veludo azul; gosto dele
a cor de uma noite alentejana.
não sei porquê estas portas tão pesadas
esta prática esforçada de halteres.
logo à entrada a mostra finlandesa
arte curiosa devo visitar observo
apenas um minuto e desço a escada:

hoje 28 de outubro quarta-feira
Ana Luísa Amaral apresenta

"se fosse um intervalo"

sento-me atento e leio
sem reticências
não divago-

1 comentário:

josé ferreira disse...

Deixo este poema como homenagem à Ana Luísa,ao magnífico livro, aoteatro perfeito da dicção e ao tanto que me foi agradável aquele imenso "intervalo" onde revi os rostos amigos de alguns que aqui estão e de mais que por aqui passaram. Foi muito bom!

Parabéns Ana Luísa e se para os escritores e poetas o último livro é sempre o melhor devo dizer que como leitor para mim este é aquele em que as "rotações" das palavras nos poemas, são mais "perfeitas"

grande abraço