terça-feira, 2 de dezembro de 2008

o sucumbir de um isolado centro.

I
Um nome no muro
como fugir se regressa intemporal?
Esconjuro tatuado no fogo
conspira contra o afastamento do drama
Sensorial.

A terra treme - o homem teme,
a falha lendária rediviva
lento manto de arruinadas marcas –
fendas mal remendadas,
lamento de vegetação rasteira

costurado por material inflamável.

Soterrado o muro
escava minúsculos veludos
com luvas de mercúrio
ao encontro de vestígios
de um nome puro.

II
"O fundamental é enterrar os mortos e cuidar dos vivos."
A comunidade internacional providencia meios, e cães
feios treinados para encontrar cadáveres. Multiplicam-se
as declarações de solidariedade pelo mundo. Abrem-se
contas nos bancos de areia. Chegam
à alfândega contentores de ajuda humanitária
provenientes das nações dadoras de castelos e água potável.

A vida continua…
contam-se votos para a melhor foto do terramoto.
Vaticina-se num balanço provisório o número de mortos da terrível tragédia.

Que sorte o dístico salvar-se no tubo de ventilação
do ar condicionado do autopulman acidentado.

O corpo do nome infectado por excesso de pó real
contraía o ar afecto aos pulmões,
aquecia memórias anónimas auto-reguladas e

sobrepostas ao epicentro do sismo actual,
esperava o resgate das equipas de salvamento
especialmente recrutadas para o efeito.

III

Soterrada a inscrição do amor
melhor seja gritar o nome dentro do nome
a derradeira raiz soletra a despedida ao mundo
pequena réplica de última pétada chama-te
ao recolher-se no lodo das ruínas
do escaparate vandalizado.

Antes do apagamento debaixo dos escombros
acena o prolongamento de pesares circunstanciais
no gaguejar trémulo de magnética finitude
de um tartamudeado nome que assuste:
Ma… Ma… Maria Madalena.
A Maria que arrebenta na boca dos mares
A Madalena - memória magna de Proust.

Louvado sejas - nome possível -
levas no colo o mundo sem chão,
pelo menos em ti
não há arrependimentos

nem má loucura.

Ma… Ma… Maria Madalena.

5 comentários:

josé ferreira disse...

António, caro colega de bancada na compostura dos poemas, gostei muito deste, perfeito na descrição de uma nova erupção Vesuviana, recheado de pormenores tão presentes nos dias actuais.
Para além da história, do terramoto,das sensações, termina na força do nome " a memória magna de Proust", uma abordagem diferente do tema.Muito interessante.
Parabéns!

Ana Luísa Amaral disse...

António, achei excelente a ideia do seu poema! Gostei mesmo muito! Por exemplo, excelente estrofe:

"Louvado sejas - nome possível -
levas no colo o mundo sem chão,
pelo menos em ti
não há arrependimentos
nem má loucura."

Uma sugestãozinha: cortar um pouco nos adjectivos -- poderemos falar nisso amanhã...

Elza disse...

O teu poema é terramoto! Gostei dos pormenores. Por exemplo, ironia ou não? "Que sorte o dístico salvar-se no tubo de ventilação/ do ar condicionado do autopulman acidentado."

Maria Inês disse...

concordo com a belissima estrofe citada pela ana luisa! é um poema com muita força, parabens! gostei mesmo muito (:

M. disse...

O amor é um terramoto. Dos escombros surgem dois ombros e um nome. Um nome que mesmo em pantufas desiquilibra as placas tectónicas. E tudo treme. Salve-se quem puder!