segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Efémera eternidade

«What's in a name?»
(William Shakespeare, in Romeo and Juliet)


Um Nome ou Apelido – faz diferença?
Ou são uma única e a mesma coisa? –
Camadas sobrepostas como a loisa
Onde se escreve ou se apaga a vida tensa.

A angústia cresce sobre a alegria
E a razão sobrepõe-se ao sentimento
Da emoção e do drama que é a vida
No percurso do sol e da lua e do tormento.

Ser António ou Fernando é ser Pessoa –
Nome que por si só traz fios e traz vozes
Que são um chamamento aceso que entoa
O grito, o choro, a inquietação. Algozes!

Um nome é um denso lugar de intimidade
Um privilégio parental e os seus desejos
Cerceando ao nomeado os seus ensejos
De busca de outro nome, de outra identidade.

E assim se pena uma efémera eternidade
Sofrendo a todo o custo a dor de exorcizar
O nome que não traz tão-só uma identidade
Mas traços de estilhaços só no nomear.

Um nome traz consigo todo um drama – a trama
De viver por dentro intensamente na relação
Com outros que são gente que assoma à razão
E sorrateiramente se instala e se inflama

Trazendo nas chamas modos outros de ser,
Embora o mesmo nome, a alma se enriquece:
Vive com outros olhos – mestres em padecer –
Para se olhar no fundo das almas que o entretece.

Um nome é também uma enérgica opção
– Caminho aceite de afecto e de razão –
No seu acolhimento contém a liberdade
Com que recebe a imposta identidade.

Um nome é uma trança de vontades – em silêncio diz
Tudo o que se não sabe e que o seu ser prediz.

(2008.12.01)

3 comentários:

josé ferreira disse...

Gostei da envolvência com que mistura o nome na identidade, ou seja neste poema os nomes podem ser iguais e os personagens diferentes. há alguém que chama e atrás vem a história.
Poema feito com a mestria habitual no tratamento das rimas e a clareza das ideias.

Ana Luísa Amaral disse...

"O nome que não traz tão-só uma identidade
Mas traços de estilhaços só no nomear." -- gosto muito! Ainda:
"Um nome é uma trança de vontades". Bom trabalho de musicalidade. Parabéns. Uma pequena observação: não gostei muito da palavra "prediz" mesmo no final.

Elza disse...

Para além de ter apreciado toda a riqueza contida no poema, sublinho as ideias "Ser António ou ser Fernando é ser Pessoa" e "Um nome é uma trança de vontades" de que gostei particularmente. Parabéns!