Na nossa primeira aula da segunda série vagueámos na fronteira indefinida de prosa poética e poesia. Não ficou claro. Ainda ando enredemoinhado como num jogo de voleibol onde a bola atravessa a rede e não chega a cair ao chão, de qualquer forma continuo a pensar no assunto. Como resultado destas divagações lembrei-me deste verso de Carlos Drummond de Andrade " o amor, seja como for, é o amor " e recolhi o poema para partilhar convosco
Cantiga de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo
suspende a saia das mulheres
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.
Meu bem, não chores,
hoje tem filme do Carlito.
O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meios verdes
e desejos já maduros.
E quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.
Amor é bicho instruído.
Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na àrvore
em tempo de se estrepar.
Pronto o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.
Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo corpos, vejo almas,
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender.
7 comentários:
Obrigada José, adorei o poema!
Sim....o amor, seja como for é o amor...e não será também esse o mote para olhar para "o poema"? Antes de querer definir se um poema é um poema, poderemos pensar que seja como for o poema é.
Ou então poderemos dizer que um poema é o lugar onde o amor nos faz cócegas.
Eu também adorei. angeles
Marlene, estou completamente de acordo, o "poema" seja como for é um
"poema", e caindo numa rima fácil, mesmo que esse "poema" seja só por um escutado, por um só entendido,
valeu a "pena", porque alguém revelou um estado de "alma", uma reflexão de sentimentos intelectualizada, que podendo não ser grande de certeza "não é pequena".
fico contente por ler palavras de amor e aproveitando as palavras da marlene "Ou então poderemos dizer que um poema é o lugar onde o amor nos faz cócegas."
parabéns pelo inicio da 2ª fase da escrita criativa, espero não perder a próxima mas por agora tenho uma tese para escrever.
beijo filinta
Muito a propósito este belo poema... e tambem concordo com o paralelo entre "o Amor" e "o Poema". Alem das características de um e outro, a grandeza de ambos esta em algo que vale por si mesmo como sinal distintivo difícil, ou mesmo impossível, de identificar. Gostava de conseguir explicar melhor a ideia - é como se no "Amor", um todo inacessível fosse retalhado pela reflexão, artificialmente sujeito a divisões, ou isolado em partes (geométricas até) pelo entendimento subjectivo do poeta - tendo como parelelo no "Poema" o "sentir com a imaginação" de F Pessoa. Ora, Drummond de Andrade reconhece que o amor é "bicho ínstruído", procura establecer relações e estados específicos num campo temporal/espacial determinado. No entanto surpreende-se com a multiplicidade do "Amor", qual todo dinámico e superior impossível de compreender quer na sua vastidão relacional, quer na sua transcendência autónoma.
Complicado? seja como fôr está aí!
E quando bate à porta
mesmo qualquer idiota
sabe que é "o amor"
sabe que o mar parece azeite
sabe que o mar parece seja o que fôr
para se banhar no amor...do poema.
Enviar um comentário